Tenho percebido enorme confusão, tanto para advogados, estudantes,
magistrados e em especial quem não é da área jurídica, que tem enfrentado
dificuldades para delimitar ou compreender bem onde começa e termina a
disciplina referente ao direito de família e do direito das sucessões e isso
tem gerado algumas dúvidas e até falhas de interpretação quando da partilha de
bens com a dissolução do casamento ou da união estável em vida e por ocasião da
morte.
Pois bem. Temos de ter noção inicialmente de que estão em vigor na nossa
legislação quatro regimes de bens (leia aqui para saber mais),
quais sejam: comunhão parcial, comunhão universal, separação (que pode ser
legal ou convencional) e participação final nos aquestos, sendo certo que ao
escolher algum deles, se indicará o modo como se constituirá o patrimônio comum
e individual do casal.
No curso da união, em vida, vigorarão as regras de direito de família,
sendo livre aos contraentes escolher o que partilhar, o modo de divisão, dentre
outras questões. Chamo a atenção para o cerne da questão, essa livre disposição
do casal no modo de como irá disciplinar as regras da convivência é apenas em
vida. Imediatamente com morte, iniciam as regras de direito de sucessão.
Para facilitar a compreensão, vamos tomar o exemplo de João e Maria que
se casaram no regime da comunhão parcial de bens (o caso também se aplica para
a união estável) e antes da celebração, resolveram fazer um pacto antenupcial.
Para ilustrar, João já tinha um carro e uma casa e tinha emprego fixo com
remuneração de R$ 10.000,00 enquanto que Maria tinha renda mensal de R$
5.000,00 e não tinha qualquer bem móvel ou imóvel.
No pacto antenupcial, já com a escolha do regime da comunhão parcial, os
nubentes definiram que nos dois primeiros anos do casamento, o que cada um
adquirisse com sua remuneração, não integraria o patrimônio do casal, seria
individual. Somente após isso, é que poderia ocorrer partilha do que fosse
sendo amealhado, ainda que individualmente.
Nesses dois primeiros anos, João comprou uma sala comercial e Maria um
carro. Nos dois anos seguintes, compraram um apartamento, ressalvando que
nenhum deles teve aumento salarial e João continuava ganhando o dobro do que
Maria. O casal ainda teve dois filhos.
No final do quarto ano de casamento, o casal resolveu se divorciar. Como
fica a partilha?
João fica com o carro e a casa anteriores ao casamento, mais a sala
comercial adquirido pós união. Já Maria fica com o carro comprado enquanto
casada.
Veja que nesse momento os filhos não tem direito a absolutamente nada, o
patrimônio é exclusivamente do casal.
E o apartamento adquirido nos dois últimos anos de casamento? Esse será
divido igualmente entre João e Maria, independentemente do quanto cada um
contribuiu!
Nesse momento faço mais um alerta. Começou a circular nas redes sociais
uma notícia de que o STJ teria decidido que na união estável seria necessário
provar que ocorrera contribuição para a construção de patrimônio, para poder
ter direito à divisão. Essa notícia, tomada apenas por esse prisma, é falsa! O
que o STJ decidiu (EREsp 1171820) foi que
para quem contraísse união estável e tivesse de adotar o regime da separação
legal, por exemplo, se algum dos conviventes tivesse mais de 70 anos, para ter
direito à partilha, necessitava provar que contribuiu com a construção do
patrimônio. São casos isolados não afetando a regra de que há presunção de que
o que foi amealhado no curso da união é partilhado meio a meio (AgRg no REsp 1475560).
Perceba que em vida o que prevalece é a vontade do casal, vigorando as
regras de direito de família, de modo que é possível definir o que entra e sai
da partilha em caso de divórcio ou rompimento de união estável, com as normas
que forem definidas pelo casal ou mediante a escolha de um dos regimes de bens.
Ocorre que com a morte, não há tal possibilidade, tendo em vista que o
regramento consta de modo detalhado no Código Civil, a partir do artigo. 1.829
para quem casar e no artigo 1790 para quem conviver em união estável.
Note que pelo exemplo, o casal adquiriu na constância da união um carro,
uma sala comercial e um apartamento, mas apenas o apartamento é dividido.
Tal não ocorreria se, por exemplo, antes do divórcio, João tivesse
falecido.
Nessa hipótese, conforme disposição do art. 1.829 do Código Civil, Maria
herdaria tanto o que João tinha antes do casamento, quanto o que foi construído
na constância do matrimônio, ainda que existisse o pacto antenupcial dispondo
detalhadamente o modo de divisão do patrimônio.
E por que isso?
Porque, como dito anteriormente, as regras de direito de família vigoram
durante a vida, com a morte, o que fora definido se extingue e passa a ser
regido pelo direito das sucessões.
A partir da morte, incidirão a meação e a herança.
Meação é a metade dos bens comuns, ou seja, aquilo que em vida seria
partilhado pelo casal, a exemplo do apartamento. Já a herança, incidirá sobre
os bens particulares, aqui chamados individuais, como dito, sobre a casa, o
carro e a sala comercial deixados por João.
Na meação, Maria fica com metade e nada mais. Já na herança, Maria
partilhará com seus filhos.
Tomando o exemplo ofertado. Se com o divórcio Maria retomaria sua vida
com metade do apartamento e seu carro, com a morte de João, além disso, ela
dividirá a casa, a sala comercial e o carro de João com os seus dois filhos.
Para compreender como se dá a divisão do patrimônio, entre os diversos
regimes de bens, segue o organograma a seguir, considerando a sucessão entre
cônjuge/companheiro e descendente (filho):
Obs: Chamamos o patrimônio “individual”
de “particular”, termo mais técnico.
Nos
próximos artigos que estou preparando, irei detalhar as possibilidades de herança,
para que seja mais fácil a percepção da questão.
Espero ter ajudado e
em caso de dúvidas, envie um email para arthurpaivarn@gmail.com
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