Conforme os amigos perceberam, ontem ofertei entrevista ao Bom dia Paraíba e falei que no caso ocorrido em João Pessoa, onde houve a divulgação das imagens das vítimas do sequestro do "Bancários", não teria repercussão criminal, configurando apenas um ilícíto civil.
No dia de hoje, por ocasião da divulgação de imagens do corpo do cantor sertanejo Cristiano Araújo, começou a circular na rede a informação de que os responsáveis por compartilhar as fotos e vídeos, no momento do exame do corpo no IML, teriam praticado o crime de Vilipêndio.
Antes de tecer meu comentário sobre o caso Cristiano Araújo e a situação do sequestro do "Bancários", deveremos explicar o que é Vilipêndio.
Este crime está previsto no artigo 212 do Código Penal e prevê detenção de 1 a 3 anos, além de multa, àquele que "Vilipendiar cadáver ou suas cinzas".
Vilipendiar, nas palavras de Cleber Masson "significa aviltar, desprezar, ultrajar". (Código Penal Comentado, Ed. Método, 2014, p.819)
Fernando Capez entende que "consubstancia-se no verbo vilipendiar, isto é, ultrajar, tratar
com desprezo, no caso, o cadáver ou suas cinzas. (...) O vilipêndio pode ser praticado de diversos modos, por exemplo, atirar excrementos no cadáver, proferir palavrões
contra ele, praticar atos sexuais com ele. Deve, portanto, a ação
criminosa se dar sobre ou junto ao cadáver ou suas cinzas."(Curso de Direito Penal - Parte Especial II, Ed. Saraiva, 2012, p. 702)
O professor Rogério Sanches da Cunha atribuiu ao termo vilipendiar alguns sentidos: desprezar, desdenhar, aviltar, menosprezar, rebaixar, "podendo ser praticado pelo escarro, pela conspurcação, desnudamento, colocação do cadáver em posições grosseiras ou irreverentes, pela aposição de máscaras ou de símbolos burlescos e até mesmo por meio de palavras; pratica o vilipêndio quem desveste o cadáver, corta-lhe um membro com propósito ultrajante, derrama líquidos imundos sobre ele ou suas cinzas (RT 493/362). (Rogério Sanches da Cunha, Curso de Direito Penal - Parte Especial, p. 447).
Segundo Mirabete, para a configuração do crime é necessário o dolo, a vontade de praticar conduta e aviltar o cadáver, tendo-se decidido que indispensável é o elemento moral consistente no desejo consciente de desprezar o corpo com intenção de depreciá-lo. Ainda por Mirabete, consuma-se o crime na prática do ato ultrajante (gesto, por exemplo).(Manual de Direito Penal. Parte Especial, Ed. Atlas, 2002, p. 397 /408)
Cito estes doutrinadores do Direito Criminal para ilustrar o fato de que não é o simples ato de gravar as imagens e divulgá-las que configurará o crime. Para que seja consubstanciado o delito, além de denegrir a imagem do morto é necessário que o deliquente tenha a vontade de fazê-lo e pratique atos concernentes com o intuito de ofender a moral do morto. Neste crime o que se preserva é o respeito ao morto.
Isto quer dizer que fotografar ou filmar e repassar à frente indicando apenas a existência de um crime com manifestação de revolta, sem ofender, denegrir, aviltar a imagem do morto, não configurará o crime previsto no Código Penal.
Todavia, quando aquele que fotografa ou filma o corpo, o faz de modo desrespeitoso, ou seja, brincando, fazendo gracinhas, com pilhérias ou bebidas, dispondo-o de modo cômico deixando-o imundo, dentre diversos outro atos aviltantes, poderá ser configurado o crime suso mencionado.
Por causa da necessidade de escrever este artigo, assisti ao vídeo do caso do cantor Cristiano Araújo. Ainda que com tarjas, nele são vistas duas pessoas, um homem realizando o exame cadavérico que não fala, nem sequer olha para a câmera e quem grava é uma mulher, que visivelmente, faz "graça", pedindo que o colega "dê um tchauzinho para a câmera" e ainda que "afaste a costela para ver". A mulher pode responder sim pelo crime de vilipêndio pelo manifesto desrespeito ao corpo morto à sua frente, já o homem que apenas fazia o seu trabalho, não!
Igualmente tive acesso antes da entrevista a dois vídeos do caso do sequestro do "Bancários", de modo que o que visualizei neste caso foi a grotesca cena de um crime hediondo, mas que refletia, possivelmente, o momento das vítimas quando da chegada da polícia ou da equipe de resgate, sem que se vislumbre qualquer ato que, nos termos do tipo penal, configurasse o crime de vilipendio de cadáver. Não há comentários, ninguém toca nos cadáveres. Há tão somente uma gravação, não concorrendo os requisitos para a configuração do crime.
O certo é que a linha é tênue e que dificilmente com a legislação que temos, será possível punir criminalmente quem grava ou compartilha tais imagens.
Indubitavelmente nosso arcabouço jurídico está ultrapassado, necessitando de reforma para incluir outras hipóteses graves, que merecem a atenção do Direito Criminal, à exemplo da Lei Carolina Dieckmann que permitiu punir quem divulga imagens intimas pela internet sem autorização dos registrados. No momento, está em discussão no Congresso o novo Código Penal que não contempla as hipóteses mecionadas neste artigo como crime. Quem sabe, com a pressão popular, não se faça um adendo ao texto e passe a configurar crime a distribuição nas redes sociais deste tipo de conteúdo? Mas este assunto, será objeto de tópico futuro no nosso blog.
De nossa parte, nos filiamos à campanha encampada pelos familiares do jovem cantor, cujo post colacionamos abaixo:
Persistem dúvidas? Envie um email para arthurpaivarn@gmail.com
Abraço a todos!